E então meus amigos,
Vivemos então os últimos momentos do cesaropapismo*…
Mas não foi com a queda dos césares ocidentais que as coisas entraram
no rumo. Bem, isso tudo estará mais a frente. Vamos continuar a
história dos Santos Padres, começando o século V, temos:
São Anastácio I – São Jerônimo (o autor da Vulgata, em
linhas gerais a Bíblia que usamos hoje) é a principal fonte sobre a
vida desse Papa. Houve querelas entre Jerônimo e São Sirício (ver post
anterior), e são Anastácio foi muito bem visto pelo Santo Pensador como
um Papa mais indulgente, principalmente no que tange a prática asceta.
São Anastácio se faz presente em nossos atos dentro da Igreja até os
dias de hoje e até fora dela, uma vez que foi ele que instituiu o sinal
da cruz e a obrigação de se ficar em pé durante a Missa. Foi Papa de
novembro de 399 a dezembro de 401; pouco depois de sua morte os Godos
começaram a baixar a mamona no Império. Outros fatos marcantes de seu
curto papado foram a condenação de Orígenes e a execração dos donatistas
africanos com quem debate-se Santo Agostinho. Está sepultado no
cemitério de São Ponciano.
São Inocêncio I – São
Inocêncio I é alvo de mais uma dessas falsas polêmicas que mais parecem
mexerico da Candinha. Ao procurar em muitos livros de história,
provavelmente você vai se deparar com a seguinte frase abrindo o verbete
sobre este Papa: “Filho de São Anastácio I”. Ai Senhor! Tem Piedade!
Filho como Bwana? A fonte mais confiável, aliás, única a respeito da
vida de São Inocêncio é o Liber Pontificalis. Sendo assim, como
dar crédito a essa sandice? Simples, sendo mau-caráter. Nem se sabe
nem quando São Inocêncio nasceu, quanto mais em que condições. Ah,
sabe-se o nome de seu pai, QUE ERA INOCÊNCIO TAMBÉM.
Bom então voltando a Inocêncio Jr., err…, quer dizer, São Inocêncio I. É dessa época o Codex Teodosianus,
que mandou priscilianos, maniqueus e donatistas para o vinagre. São
Inocêncio perseverou na defesa da verdadeira fé. Viu Roma ser saqueada
por Alarico. Sobre São Inocêncio fechou-se a tampa daquilo que
consideramos cânon bíblico. Também foi durante o seu papado que
surgiram as primeiras regras monásticas. E, de certa forma, esvaziou os
demais patriarcados, pois instituiu Roma como tribunal de apelação para
causas importantes, mais ou menos como o Supremo Tribunal Federal, só
que com gente inteligente. Foi papa de 401 a 417 .
São Zósimo – São
Zósimo, consta, tinha um amigo chamado Celéstio que era um adepto do
pelagianismo. Em linhas gerais, o pelagianismo dizia que o homem podia
ser salvo sem a graça de Deus(?!), meio idiota, mas muita gente entrava
nessa, pode-se até dizer que é uma remota origem do neo-ateísmo. Por
conta dessa amizade, ele teria revogado em parte a condenação herética
do Codex acolhido por São Inocêncio I para beneficiar os
pelagianistas. Isso acabou por deixar Santo Agostinho vendido no meio
da África, sem eira nem beira, cercado de hereges por todos os lados.
Por conta disso, teve que voltar atrás e acatar as determinações de São
Inocêncio. Outro fato importante do seu papado foi a proibição do
ordenamento de bastardos. Foi Papa por pouco mais de um ano, de 417 a
418. Está enterrado na Basílica de São Lourenço Fora-dos-Muros.
São Bonifácio – Atribui-se
a ele a frase: “Roma falou, caso encerrado”. Sua eleição foi um tanto
conturbada. Quando São Zósimo morreu, alguns presbíteros reunidos em
Latrão elegeram Eulálio. No dia seguinte em Teodora, um grupo maior
elegeu São Bonifácio I. Ambos foram consagrados e Roma ficou com dois
Papas, um em São Pedro e outro em Latrão. O Prefeito de Roma, Símaco,
apoiou Eulálio e São Bonifácio foi embora de Roma. Foi convocado um
sínodo para resolver a questão em Ravena, que não decidiu patavina. Por
fim, um concílio em Spoleto decidiu que ambos tinham que cair fora.
Questão: Eulálio tinha o apoio do Imperador e do Prefeito; Bonifácio
tinha o povo. Eulálio se achou o rei da cocada preta e disse que não ia
sair da cidade. Resultado: com o povo fungando no seu cangote, o
Imperador Honório acabou por dar razão ao velho Bonifácio e tocou
Eulálio para fora. A Voz do povo realmente é a voz de Deus. Papa de
418 a 422.
São Celestino I -
Foi no seu papado que aconteceu o Concílio de Éfeso, convocado pelo
Imperador Teodósio II. Isso mesmo, foi o IMPERADOR que convocou o
concílio, não o Papa. Esse período não é chamado cesaropapismo à toa…
Pelo abuso, São Celestino deu uma de Tim Maia e não apareceu. Mas em
seu lugar mandou a Banda Vitória Régia, ops, mandou três legados para
representá-lo. O Imperador, em resposta, não submeteu as atas do
Concílio ao Papa. Mesmo assim, Celestino I ficou contente com o
resultado. No campo de combate às heresias, confiscou as igrejas das
comunidades novacionistas. Iniciou a reforma da basílica juliana. Está
sepultado no cemitério de Santa Priscila. Papa de 422 a 432.
São Sisto III - Outro
Santo com nome de Sisto, quanto mais melhor nos exércitos de Cristo
(rima extra pobre). Sisto III destacou-se na reconstrução de Roma
depois da “festinha” que os Godos de Alarico comandaram em 410. Também
restaurou a Basílica de Latrão. Foi Sepultado no Cemitério de São
Lourenço. Papa de 432 a 440.
Leão I “Magno” – Leão
foi o responsável pela definitiva instituição da primazia romana em
termos de fé, isso numa época em que ninguém no mundo dava mais dois
tostões de mel coado por Roma. Ele segurou as pontas num momento muito
delicado; tivesse ele cedido, o mundo cristão que nós conhecemos seria
hoje muito diferente. Há muitas coisas interessantes a dizer sobre este
papa, que contaremos em um post à parte. Papa de 440 a 461.
São Hilário – Isolou-se
de Constantinopla, atitude que desagradava muito o Imperador. Mas isso
era até justificável, uma vez que o arianismo ganhava força no Ocidente e
São Hilário gastou muito de suas energias combatendo o bom combate.
Antêmio, um dos últimos imperadores ocidentais, foi incitado pelo papa a
proibir a reunião dos hereges em Roma. Para bom entendedor, meia
palavra basta. A partir daqui os historiadores bem intencionados
começam a dizer que o cristianismo estavam dando ao hereges o mesmo
remédio que os pagãos deram aos primeiros cristãos; blá, blá, blá.
Verificando o mau-caratismo: o Papa pediu, não mandou, em primeiro
lugar, segundo, caso uma reunião dessas fosse desbaratada, o máximo que
acontecia era botar a rapaziada pra correr, ninguém ia brincar de ser
lanche no coliseu. Caso típico de dois pesos e duas medidas, mas a
turminha fica nervosa, começa a gritar, espernear e a bater pezinho
quando você o chama de canalha.
Voltando a São Hilário, fundou ainda um vicariato na Espanha, uma vez
que por ali já graçava um certo espírito de independência com relação a
Roma. Defendeu ferreamente as posições da Igreja Roma em Éfeso e quase
foi encaçapado por lá, tendo atribuído o sucesso de sua fuga daquela
cidade a São João Evangelista, construiu três capelas dedicadas a ele
adjacentes a basílica de Latrão e mais duas bibliotecas eclesiásticas
(isso tudo porque o papa era inimigo da ciência). Está sepultado no
mosteiro de San Lorenzo, construído por ele. Papa de 461 a 468.
São Simplício -
Rômulo Augusto, um moleque de 14 anos, foi o último imperador do
Ocidente, e foi durante o papado de São Simplício que ele foi
gentilmente convidado a se retirar (com dois tapinhas no popô,
provavelmente). Era tudo que o basileus queria para voltar com a mesma
ladainha sobre Constantinopla. Por conta disso e da negação do povo
ocidental a reconhecer na distante helênica Constantinopla sua capital
espiritual, a estratégia do Imperador passou a ser calar a boca e fazer
na prática aquilo que na teoria não era aceito. Assim tem início uma
nova era – O Papado Ostrogodo. Não que os papas fossem ostrogodos, mas
em virtude dos problemas nascentes de uma anarquia que acabou por gerar o
feudalismo, só restava à administração romana tentar salvar o que ainda
havia de pé e construir o futuro de uma forma concreta e com os pés no
chão. São Simplício, realmente, não tinha muito o que fazer. Depois de
uma longa enfermidade faleceu em 483. Papa de 468 a 483.
Félix III -
Felix III foi o primeiro dos Papas Ostrogodos, é assim considerado
porque sua eleição foi uma “sutil sugestão” do Rei Odoacro. Felix III
ficou famoso pela sua rejeição a um documento chamado Henotikon.
Em linhas gerais, esse documento corroborava a heresia monofisista
(segundo a qua Jesus tinha apenas uma natureza, e não duas – divina e
humana). Excomungou o patriarca de Constantinopla, Acácio, que era um
defensor do Henodikon.
Aprendam uma coisa par entender o momento histórico e suas
implicações nos dias de hoje: já deu para perceber que o Papa em Roma
estava muito mais preocupado com a PRESERVAÇÃO DO ENSINAMENTO DO CRISTO
em vez da simples adaptação desse aos interesses dos poderosos. Por
isso que eu disse que o cristianismo sempre se deu mal com o poder. Eu
repeito a história em comum que nós católicos temos com os cristãos
ortodoxos e vejo ali grandes homens de fé. Mas se tem uma coisa que
sempre caracterizou o ortodoxismo oriental é essa coisa de grudar que
nem carrapato em quem detém o poder para disso se aproveitar. Vejam, o
patriarca de Constantinopla sempre age de acordo com o Imperador e
vice-versa. Já imaginou se o Papa fizesse isso? Estaríamos vestindo
togas. Isso já virou uma questão genética do ortodoxismo, e até hoje os
patriarcas são puxa-sacos dos governos, durante a revolução russa essa
turma ficou desesperada e o povo sem eira nem beira. Com a “volta
democrática”, os patriarcas puderam voltar a fazer o que fazem melhor:
puxar o saco de quem manda.
Voltando a Félix III, uma das suas
medidas mais polêmicas foi negar remissão aos rebatizados arianos até
que estivessem em seu leito de morte. Papa de 483 a 492.
São Gelásio I -
Foi opositor de Acácio e do Imperador, Zenão, por conta do cisma
acaciano. Defendeu o primado e aplicou os fundamentos jurídicos da
autoridade pontifícia à Igreja e ao Estado por meio de uma série de
cartas que continham súmulas legais. Por conta dessas querelas seu
pontificado foi desgastante, embora breve. Papa de 492 a 496.
Anastácio II – Assumiu o compromisso de tentar reconciliar Ocidente e Oriente, reconhecendo a validade dos sacramentos realizados por Acácio.
Um fato histórico importante e singular
ocorreu no seu papado. A conversão dos Rei Franco Clóvis I (o pai da
primeira grande dinastia de reis franceses, os merovíngios), mais a
frente saberemos o porquê. Teodorico era o rei em Roma e não era
reconhecido pelo imperador. Anastácio interferiu nessa questão por
intermédio de um velho senador chamado Fausto, que persuadiu o papa a
aceitar o Henotikon. Faleceu
no meio dessa confusão historicamente mal explicada e foi-se junto com
ele a esperança de acabar com o cisma acaciano. Por conta disso, Dante o
colocou no Inferno no sua obra máxima “A Divina Comédia”. Está
sepultado nos portões de São Pedro. Papa de 496 a 498.
*O cesaropapismo (cesár+o+papa+ismo) se refere a um período em que a
Igreja Católica contava com o apoio do chefe do Estado, e este,
contrapartida, se achava no direito de regular assuntos eclesiais,
exercendo poderes tradicionalmente reservados à suprema autoridade
religiosa.
Por Paulo Ricardo em 23/10/2011
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