O
século VII foi muito estranho. Estranho porque depois de São Gregório
temos um Sabiniano no trono de São Pedro. Estranho porque os Lombardos
tornaram a vida das pessoas na Itália tão insuportável que já tinha
cristão doido por uma catacumba ou para voltar para os tempos de São
Calixto. Mas vamos deixar que os papas contem a história desse tempo.
Sabiniano - É
impossível achar qualquer adjetivo elogioso para Sabiniano. Foi um
fracasso como sucessor do magnífico São Gregório. E como se isso não
bastasse, era um covarde de primeira. Ao ver os incêndios e o caos
espalhado pela cidade santa, em vez de se juntar e apascentar o rebanho
do Cristo, se escondeu dentro da Sé e ordenou que as luzes das igrejas
sempre deveriam ficar acessas.
Sabiniano cortou as refeições que o Papa Gregório servia aos pobres.
Pior, em vez de dar, passou a cobrar, ou seja, transformou a Casa de
Deus numa espécie de restaurante do Garotinho (aquele governador do Rio
que fazia restaurantes em que a refeição era R$1,00). Resultado, seu
cortejo fúnebre teve que ser desviado de Roma para fora da cidade sob a
possibilidade de que o povo não fosse muito “simpático” a este senhor.
Felizmente, foi papa pouco tempo, de 604 a 606. Foi tão detestado
que seu corpo foi sepultado em segredo na Basílica de São Pedro.
Bonifácio III – Só
foi eleito um ano após a morte de Sabiniano. Ao contrário de seu
antecessor, fez coisas importantes para a Igreja. A principal delas foi
a proibição, passível de excomunhão, de qualquer discussão a respeito
da sucessão do Papa. Essa norma se mantém até hoje. Nos tempos de
Bonifácio III eram três dias para a eleição do novo Papa, hoje são nove.
Cassou a pretensão de João IV (patriarca oriental que queria controlar
a Igreja) e conseguiu junto ao Imperador Focas que somente o Bispo de
Roma poderia ser chamado de ecumênico. Papa de 19 de fevereiro a 12 de
novembro de 607.
São Bonifácio IV -
Demorou também a ocupar o seu lugar depois de eleito, um pouco menos
que seu antecessor, dez meses. Curiosidade: São Bonifácio IV é o
criador do Halloween (que não era a festa pagã que vemos hoje,
óbvio). Explicando: ele converteu o Panteão de Roma (templo devotado
aos deuses gregos) em igreja dedicada à Maria e a todos os santos, para
salvá-lo da destruição. Em homenagem a isso, instituiu o dia de todos
os santos como sendo 1º de novembro.
Bonifácio IV foi um dos mais diletos alunos de São Gregório Magno e,
como este, era um monge beneditino. Converteu sua casa em mosteiro e
protegeu o monaquismo. Durante o sínodo que promoveu em 610 brotaram as
sementes plantadas por Santo Agostinho da Cantuária e São Gregório, com
a presença dos primeiros bispos de Londres que foram a Roma para
aprender a regularização da vida monástica. Dedicou-se aos pobres assim
como o seu mestre. Papa de 608 a 615.
São Deodato (Adeodato I) – Pouco
se registrou dessa época. Sabe-se que São Deodato reduziu as
prebendas, um benefício pecuniário ao qual os monges faziam jus desde
São Gregório. Instituiu o selo papal no intuito de evitar as
falsificações e a quebra de sigilo das cartas episcopais. Depois de São
Gregório, foi o primeiro Papa a ordenar sacerdotes. Em seu leito de
morte, legou a seus sacerdotes um ano de salário – foi o primeiro papa a
fazê-lo. Papa de 615 a 618.
Bonifácio V – Eleito
pela facção clerical diocesana, demorou um ano para ter sua confirmação
aceita pelo Imperador. Durante seu papado, a Itália estava sendo
assolada pela disputa pelo trono, e o exarca – título instituído pelo
Imperador do Oriente e que significa que o nomeado era o seu
representante – estava lutando em várias frentes. Foi Bonifácio V que
instituiu a imunidade de asilo nas Igrejas, o que na prática as
transformou em embaixadas. De certa forma, foi o Papa Bonifácio V que
inventou a instituição jurídica do Asilo Político.
No combate à simonia (venda de coisas sagradas, como promessas de
bens espirituais, relíquias ou bênçãos), decretou que somente os padres
poderiam fazer a transferência de relíquias de santos. Demonstrou
interesse pela Inglaterra e entregou o pálio a Justo quando esse se
tornou Arcebispo de Canterbury, em 624.
Roma foi assolada pela peste e pela fome e Bonifácio V cuidou dos
doentes e dos leprosos com carinho e dedicação. Sua fortuna pessoal foi
distribuída aos pobres e aos seus sacerdotes deixou um legado generoso.
Papa de 619 a 625.
Honório I – Foi
um Papa ocupado com certeza. Durante seu pontificado, temos duras
disputas teológicas contra os monotelistas – heresia que afirmava que
Jesus teria apenas uma vontade, a divina, negando que nEle existisse a
vontade humana. Honório ficou em cima do muro. Não os aprovou, mas
também não os condenou. Sérgio I, patriarca de Constantinopla, propôs
uma fórmula a Honório em que a segunda pessoa da Trindade deveria ser o
verbo de Deus, sujeito de toda operação humana e divina.
Honório I destacou-se no apoio dado à jovem Igreja da Inglaterra, que
começava a botar a cabeça para fora da lama na qual havia se metido,
entregando o pálio aos jovens arcebispos de Canterbury e de York. O Rei
Edwin da Nortúmbria – parte da Inglaterra – recebeu as congratulações
do Papa na ocasião do seu batismo. Homório reforçou a educação do clero
fundando escolas, já que muitos padres eram ignorantes. Quando a coisa
ficou feia e sequer haviam pessoas aptas para exercer determinadas
funções temporais, coube ao Papa assumir a frente destas. Papa de 625 a
638.
Severino – Não,
ele não era porteiro, nem sanfoneiro de banda de forró universitário.
Depois da morte de Honório, foi eleito Papa Severino, que condenou a
fórmula monotelista e caiu em desgraça diante do Imperador Eráclio, que a
apoiava e por vingança e só aceitou sua eleição pouco menos de dois
meses antes de sua morte. Severino deve ter morrido de desgosto.
Para completar, Eráclio mandou saquear as igrejas de Roma, passando
por cima das determinações do Papa Bonifácio V e reduzindo a antiga
capital a um 9,8 na escala Haiti de miséria. Severino foi papa de 28 de
maio a 2 de agosto de 640.
João IV -
João, assim como Severino condenou os monotelistas e, como seu
antecessor, ficou com o Imperador furioso fungando no seu cangote. Como
Dioclesiano João IV era croata, uma pequena justiça poética. Enquanto
seu famoso conterrâneo Imperador gastou os tubos para prender e
arrebentar João também torrou uma grana preta, mas para libertar seus
compatriotas e levar auxílio espiritual a combalida Croácia assolada
pelos invasores eslavos. Papa de 640 a 642.
Teodoro I -
Botou de vez as cartas na mesa. Mandou o monotelismo às favas e
desistiu de ser educado com os hereges. O monotelismo era sustentado
por um decreto imperial chamado Ectese, sobre o qual o Papa escreve ao
Imperador Cosntantino II questionando o porquê daquela porcaria ainda
estar em vigor; aproveitou a vênia exigindo que o patriarca, Paulo II,
abjurasse o malfadado decreto.
Teodoro era grego e nascido em Jerusalém e adicionou o título de
soberano ao de pontífice às designações do Bispo de Roma. Durante seu
pontificado condenou dois patriarcas, além do já mencionado Paulo II,
Piro I. Com tanta intriga palaciana girando ao seu redor, não é de se
estranhar que se suspeite ainda hoje que o Papa tenha sido envenenado.
Papa de 642 a 649.
São Martinho I
– São Martinho resolveu chutar o balde. Foi o primeiro papa a ser
consagrado sem esperar a aprovação do Imperador, o que deixou
Constantino II bem zangadinho. Para enterrar de vez os monotelistas,
convocou um concílio e excomungou Paulo de Tessalônica, bispo da
palestina, centro espiritual do monotelismo.
As consequências para São Martinho desencadeadas por Constantino II
foram severas. Em metade de seu papado, ou ele estava exilado ou em
cana. Constantino nunca o considerou Papa e assim nunca o julgou como
tal, apenas como um diácono rebelde. Prenderam o Papa numa pocilga, em
condições terríveis. Querendo se livrar dele o mais rápido possível,
Constantino II o enviou à Criméia (um lugar longe pra $#%#%#alho) numa
cidade chamada Quersoneso. Procurando no mapa, jogaram o Papa para a
Ucrânia! São Martinho encerra a série dos Papas mártires, foi sepultado
ali mesmo na terra que viria a ser ocupada pelos vikings. Papa de 649 a
654.
São Eugênio I -
Nessa era de confusões malucas, São Eugênio foi o responsável pelo
reinicio de um processo de paz com o Império do Oriente. Não se tinha
notícias do Papa Martinho e a Sé resolveu levar ao trono vago São
Eugênio I. Não foi uma tramóia, ao que tudo indica, mas sim um desejo
de não se manter refém da vontade do Imperador. Crê-se com isso que
durante um curto período haveriam dois papas legítimos no mundo, muito
embora um ainda tivesse seu paradeiro desconhecido e não se sabia o que
Constantino andara fazendo com ele.
Ninguém pode dizer que São Eugênio não tentou. Mandou uma comitiva a
Constantinopla para fazer as pazes. Propôs até uma fórmula
conciliatória para os monotelistas. O clero ocidental claro que não
aceitou e Eugênio voltou atrás, o que deixou o Imperador zangadinho de
novo. Ele tentou botar as mãos no Papa, mas duas coisas o impediram. A
derrota para os árabes em 655 e a morte de São Eugênio em 657. Papa de
654 a 657.
São Vitalino -
Terminou o processo iniciado por São Eugênio e foi conciliatório no que
diz respeito aos monotelistas. Foi um período de relativa paz. Foi
também o papa que introduziu o órgão nas Igrejas, sua grande realização,
entretanto, foi a conversão dos Lombardos ao catolicismo.
Os Lombardos eram originalmente uma tribo germânica (eram parte do
povo conhecido como suevos) de origem escandinava que fora acomodada na
Panônia por Justiniano em meados de 546. Teodorico, vulgo o chato, foi
seu líder mais famoso. E tradicionalmente os Lombardos eram arianos,
vem daí a confusão e os saques permanentes a Roma nos século VI e VII.
Foi só a partir de sua conversão à verdadeira fé que Itália e Roma
puderam desfrutar de alguma paz. Papa de 657 a 672.
Adeodato II -
Assim como São Gregório, era monge beneditino, e como monge beneditino
viveu mesmo quando eleito papa. Tinha 52 quando foi eleito, o que para
alta Idade Média é alguém muito idoso. É marcante no seu pontificado o
início das pertubações vindas do lado dos árabes. Pertubações essas que
vocês vêem na TV diariamente até os dias de hoje.
A rapaziada de Maomé estava em plena Jihad, lascando a mamona em cima
de quem não quisesse se ajoelhar para Meca ou não achasse o máximo ser
escravo de um sultão; isso é islamismo. Adeodato teve que aturar a
galera de turbante invadindo o sul da Itália e escravizando metade da
população. No campo social, dedicou-se aos pobres e a caridade. Papa
de 672 a 676.
Dono -
Roma vivia por esta época com a sombra de uma separação chamada Cisma
de Ravena. Ravena pra quem não sabe foi a última capital do Império
Romano do Ocidente e sede do Governo do Imperador quando a Itália foi
reduzida a colônia do Oriente.
Ocorre que havia muitos que queriam transferir a Capital espiritual
de Roma para Ravena. Foi Dono, com a intervenção de Constantino IV,
Imperador do Oriente que acabou com essa brincadeira. Sob o pontificado
de Dono, Cambridge foi fundada – por católicos, claro. Só pra variar: malditos cristãos!
Uma peculiaridade de seu papado foi a descoberta de um ninho de
hereges nestorianos em um mosteiro em Roma. Dono os baniu e substituiu
os hereges por monges ortodoxos. Papa de 676 a 678.
São Agatão
– Foi durante seu pontificado que enfim o Império Bizantino retirou o
seu apoio ao monotelismo. São Agatão também era monge e foi o criador
do juramento papal, que até os dias de hoje é prestado por todos os
papas quando recebem o báculo.
Dos Papas santificados, é um dos poucos casos que é venerado tanto
por católicos como por ortodoxos. Mandou, ao Concílio Ecumênico de
Constantinopla, 680 representantes do Ocidente, mas faleceu antes de
poder assinar as atas das resoluções daquele Concílio. Muito amado pelo
povo e dedicado à causa dos mais humildes, recebeu os títulos de
taumaturgo (médico) e maravilhoso trabalhador. A ele são atribuídos
inúmeros milagres tanto durante quanto após sua vida. Papa de 678 a 681.
São Leão II
– Terminou o trabalho de São Agatão e aprovou os atos do Terceiro
Concílio de Constantinopla. Através destes, o monotelismo foi
definitivamente banido, em consequência, o Papa Honório I foi
anatematizado (excomungado). Foi São Leão que introduziu o uso da
água-benta nos ritos litúrgicos. Um édito do Imperador estabeleceu em
definitivo a subordinação da Igreja de Ravena a Sé Romana. Papa de 682 a
683.
São Bento II
– Bento II terminou o que lá atrás São Martinho começara. Mas desta
vez ele conseguiu por um erro fortuito e por diplomacia. Acontece que
por conta da preguiça e da má vontade do exarca de Ravena para com Sua
Santidade, Bento II levou quase um ano para ser formalmente consagrado
Papa. Por conta disso e das suas boas relações com o Imperador, o Papa
conseguiu que a partir de seu sucessor o Papa não precisasse mais nem da
sanção Papal nem da aprovação do exarca. O papado dava seus primeiros
passos na direção do que hoje chamamos Estado do Vaticano. Fora isso,
grande parte de sua energia foi gasta na restauração das Igrejas de
Roma. Papa de 684 a 685.
João V
– Foi o primeiro Papa consagrado sem a tutela da legitimação imperial.
Seu papado foi curto. João, Sírio nascido na Antióquia, era um homem
enfermiço. Era um bom coração decerto, mas muito pouco pode fazer em
virtude de sua debilidade. Foi severo com a insubordinação suspendendo
bispos que ordenavam bispos sem o conhecimento da Santa Sé. Foi
generoso com os mosteiros caridosos de Roma e com seus sacristãos. Papa
de 684 a 685.
Cônon –
Trapalhão é o melhor adjetivo para definir Cônon. Era já idoso quando
foi eleito Papa e sua eleição é uma pagina obscura. Não era firme, nem
decidido nas suas ações. Tanto é, que a anarquia reinou durante seu
papado. Não era um canalha como Vigílio, era apenas fraco e
atrapalhado. Ajudou vários mosteiros entre outras obras de caridade.
Papa de 686 a 687.
São Sérgio I
– Por conta das bobagens e da falta de pulso de Cônon, Sérgio I recebeu
um papado em frangalhos, com a sombra de dois antipapas rondando.
Resistiu aos esforços do Imperador ao retorno do status quo anterior em
que era este que homologava a eleição do Papa. Entre as várias brigas
que puxou com o Imperador, destaque pela defesa do celibado que
Justiniano II queria abolir. Introduziu o agnus dei na missa e nas
procissões. Por fim, foi o responsável pela transferência dos restos
mortais de Leão I de seu modesto túmulo para um pomposo na Basílica de
São Pedro. Papa de 867 a 701.
No próximo encontro: Os Papas do Século VIII – Carlos Magno está
chegando, como não tinha meias limpas, mandou trazer doze pares de
França( Ô piada velha!).
Por Paulo Ricardo em 02/12/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário